A Insustentável Urgência da Fotografia Contemporânea

É cada vez mais comum sentirmos vontade de fotografar todos os momentos para lembrá-los e, ao mesmo tempo, nunca mais olharmos para aquelas imagens. A fotografia contemporânea parece ter se tornado uma forma de “realizar o agora”, de intensificá-lo e de torná-lo mais vibrante. É como se os acontecimentos somente fossem validados pelo registro fotográfico, pelo ato de captar o momento e guardá-lo em forma de pixels.

A pesquisadora Cláudia Linhares Sanz explica que, no início do século XIX, o homem moderno vivia um paradoxo entre o amor pelo progresso e o desejo de estabilizar o tempo, que seguia cada vez mais veloz. A ideia desse futuro cada vez mais iminente causava, ao mesmo tempo, encanto e vertigem. Nesse sentido, a fotografia tornou-se uma ferramenta para congelar os instantes. Parar o tempo para torná-lo eterno.

Assim, a imagem fotográfica tornou-se capaz de suspender esse sentimento coletivo de aceleração imposto pelo capitalismo. E essa sensação trouxe consigo o desejo de ter momentos de ruptura, de contrabalançar o tempo cronométrico, baseado no tempo dos relógios e do progresso, com momentos “especiais” e significativos. Enquanto a vida acontecia baseada no tempo estabelecido pelo sistema capitalista, que corria cada vez mais veloz, a fotografia foi uma forma de pausar esse tempo e criar o sentimento – mesmo que breve – de uma existência especial, com algum significado além do trabalho.

Mas, com a chegada das câmeras digitais e do espaço virtualmente infinito para armazenamento de dados, a fotografia, que até então parecia ser um modo de romper esse tempo homogêneo e de produzir descontinuidades, passou a ter o significado oposto, e sua acelerada escala de produção acabava por alimentar esse mesmo tempo contínuo e, assim, homogeneizar, cada vez mais, os instantes.

É como se cada instante fosse tão potencialmente fotografável quanto o próximo, sem um senso de distinção ao que realmente deveria ser guardado em imagens. E é isso o que parece acontecer no mundo contemporâneo: o excesso de fotografias contrasta com a falta de tempo para durar. Voltamos aqui às milhares de imagens que guardamos durante nossa vida, de forma cada vez mais veloz, mas que não temos mais tempo e dedicação para contemplar ou reviver. As fotografias não são mais produzidas para serem lembranças para o futuro, e sim para serem formas de absorção do presente. Como se precisássemos ver o momento presente enquadrado, para podermos assimilar seu significado e nos apropriarmos dele.

O prazer de ver as fotos no mesmo momento em que foram feitas, no caso das imagens digitais, pode ser relacionado a um rito de celebração do presente, vivido individual ou coletivamente, através da tela. No entanto, essa forma de fotografar compulsivamente pode estar diretamente ligada a uma crise da memória. Utilizamos a fotografia como uma forma de fixar lembranças que não desejamos esquecer, mas a velocidade com que essas memórias – tanto individuais quanto coletivas – são produzidas, relacionadas ao mundo em constante mudança e aceleração, faz com que cada momento, por ser tão potencialmente fotografável quanto o próximo, se torne igualmente sujeito ao esquecimento.

Milan Kundera, em seu livro A Lentidão, disse que “Há um vínculo secreto entre a lentidão e a memória, entre a velocidade e o esquecimento. (…) o grau de lentidão é diretamente proporcional à intensidade da memória; o grau de velocidade é diretamente proporcional à intensidade do esquecimento”. Se fotografamos para apreender o presente, o que resta para essas milhares de fotos que, depois de armazenadas, nunca mais serão observadas?

Qual é a ideia de futuro que existe no efêmero? Esse parece ser o principal paradoxo da fotografia contemporânea.

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Fotografia de destaque também por Tuane Eggers.

Uma das fontes de pesquisa para esse texto, a tese completa da pesquisadora Cláudia Linhares Sanz, está disponível aqui.

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