Espiral do Silêncio vs. Facebook no Cenário Político Atual

Se você acha que a opinião pública é a somatória de opiniões individuais levadas ao debate público, você está errado. A opinião pública é um comportamento coletivo e inconsciente, de natureza incompatível com a noção de independência individual, que exerce poder no Governo e em cada indivíduo. Ou seja, o que pensamos em coletivo influencia no estilo de vida pessoal e também na forma de governar de autoridades. Para entender a dimensão da influência da opinião pública, precisamos também entender o controle social. De forma resumida, esse termo designa que o Estado controla a sociedade na mesma medida em que a sociedade controla as ações do Estado.

Segundo John Locke, uma pessoa que possui opinião divergente da maioria infringe a lei da opinião pública e passa pela desaprovação de seu meio envolvente. Seria uma espécie de punição por expressar suas divergências. Todavia, ser reprovado na sociedade atenta contra a Natureza Social do Homem. Porque é a partir do outro que nos legitimamos. Ajustamos nossa personalidade para sermos aceitos e respeitados, podendo até mudarmos de opinião para estarmos em conformidade com a maioria. Ou seja, a auto-afirmação depende do outro.

A partir desses conceitos fica mais fácil entender a teoria do Espiral do Silêncio, criada pela cientista política alemã Elisabeth Noelle-Neuman. E também nos ajuda a entender a atual crise política no Brasil e o mérito do Facebook nisso tudo.

Retirei os pontos importantes citados por Miguel Midões a respeito da teoria do Espiral do Silêncio, que basicamente estuda a construção da opinião pública:

1. Medo da rejeição pelos que o rodeiam;
2. Monitorização dos comportamentos, de forma a observar quais são os aprovados e os reprovados socialmente, (em grupo);
3. Há gestos e expressões que, sem fala, expressam a aprovação ou não de determinada ideia, comportamento;
4. Tendência para não expressar a sua opinião publicamente quando há possibilidade de rejeição, objeções ou desdém;
5. Quando se conclui que a opinião é aceite, a tendência é expressá-la com convicção;
6. O falar livremente de determinado ponto de vista reforça ainda mais a ideia de isolamento, por parte daqueles que defendem a opinião contrária;
7. Este processo apenas ocorre nas situações em que há uma questão moral forte – é a componente moral que dá poder à “opinião pública”;
8. Só questões controversas podem despoletar a “Espiral do Silêncio”;
9. Nem sempre o ponto de vista mais forte é o defendido pela maioria da população; há o medo de o admitir publicamente;
10. Os “mass media” podem influenciar, e muito, o processo da “Espiral do Silêncio”, quando numa questão moral tomam determinada posição e exercem influência no processo;
11. As pessoas não se apercebem do medo dos outros e da questão do isolamento;
12. A “Opinião Pública” é limitada no tempo e no espaço – a “Espiral do Silêncio” apenas se verifica durante um período de tempo limitado; este processo tende também a ser limitado pelas fronteiras geográficas e culturais;
13. A “Opinião Pública” serve como instrumento de controlo social, mas também de coesão social;

Semana passada passei por duas situações que exemplificam esse medo de se posicionar. Durante três dias estive entre família, vieram aproximadamente 15 pessoas comemorar minha formatura em São Paulo, dentre tios, avôs, primos, irmãs e pais. Nesse contexto, a opinião coletiva era predominantemente a favor do impeachment de Dilma Rousseff. Tanto é que alguns deles aproveitaram a passagem por São Paulo para participar de um dos protestos na Avenida Paulista. Para eles, apoiar o governo era burrice e se colocar contra o impeachment era apoiar o governo. Eu, que tinha opinião contrária da maioria, fiquei calada e não me posicionei a respeito de política perto deles.

Em outro momento, levei meu primo que ainda estava na cidade para tomar uma cerveja com meus amigos. Lá, a opinião majoritária era outra. Eu e meus amigos comentávamos sobre a força anti-golpe da manifestação do último dia 18, e quando meu primo ousou expressar sua opinião favorável ao impeachment ele recebeu a antítese de cinco pessoas. Nessa mesa, ele estava sozinho, e por isso não mais argumentou.

Isso também reflete sobre a Natureza Social do Homem. A minha família eu não escolhi, e como infelizmente não convivo com ela, não tenho a necessidade de ajustar minha opinião para ser aceita no meio dela. Já os meus amigos fui eu quem escolhi. Provavelmente, o principal motivo para que eu escolha estar com eles é que nossas opiniões se legitimam. Também é por isso que você frequenta um determinado tipo de festa. É por isso que gays são amigos de gays. É por isso que esquerdistas e direitistas possuem um comportamento típico.

No entanto, a teoria do Espiral do Silêncio, de 1977, atribuía às mídias de massa e aos grupos dominantes muito poder sobre a opinião pública. Atualmente, os canais televisivos, impressos e de rádio de grande circulação fazem coro ao movimento antipetista. Grupos como o Fiesp e o Habib’s levantaram publicamente a bandeira dos pedidos de impeachment. Mas a polarização é muito nítida, e já estava assim desde que a presidenta foi eleita em 2014 com 51,64% dos votos. Sim, agora temos muitas pessoas pedindo a renúncia da Dilma. É provável que sejam a maioria. Mas se a minoria tende a ficar em silêncio, o que ainda leva 95 mil pessoas a se reunirem pela permanência do atual governo?

É porque hoje não são só os meios de comunicação de massa e grandes corporações que exercem poder sobre a opinião pública. É aí que entra o papel polarizador do Facebook. O feed de notícias não mostra uma parcela reduzida da sociedade, e sim uma parcela redundante. O site de Mark Zuckerberg (sempre importante reiterar que ele tem dono) possui um algoritmo que nos prende a uma bolha, um lugar confortável na rede social onde não precisamos debater tanto porque todos concordam entre si. Basicamente ele só nos mostra o que queremos, portanto os próprios usuários também são culpados por estarem presos nessa bolha. Eli Pariser, em seu livro “The Filter Bubble”, aponta essa funcionalidade como o novo gatekeeper.

No dia 13 de março, quando aproximadamente 500 mil pessoas estiveram na Avenida Paulista contra a Dilma Rousseff, no meu feed de notícias apenas uma pessoa se demonstrou favorável ao protesto. Ele estava no feed errado. Se eu respondesse com opinião contrária, receberia uma retaliação de seus amigos. Esses são os perigos de confrontar a realidade, ou a inconveniência de debater com um grupo diferente do seu: você correrá o risco de sofrer um linchamento virtual, a humilhação pública conhecida desde a época das fogueiras. Isso também acontece na seguinte escala: suponhamos que uma organização progressista “X” possua um integrante machista. Se esse integrante for denunciado, todo a organização sofrerá uma enorme represália pelo seu público. Enquanto isso, outras várias organizações conservadores possuem muitos integrantes machistas, mas eles sequer são denunciados porque para esse público isso é aceitável. Portanto, o problema é que o integrante machista estava na bolha errada.

Apesar de estimular as bolhas e polarizar grupos políticos, é esse algoritmo do Facebook que impede um maior domínio da comunicação de massa e, consequentemente, o atrofiamento das correntes políticas contrárias a opinião da maioria. No espaço do Facebook a polarização se intensifica. O debate se torna redundante com a construção de bolhas, mas certamente não é mais redundante do que a televisão. Porém, é também nesse espaço que opiniões minoritárias se legitimam e encontram força coletiva para irem às ruas.

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Desenho por Chelsea Dirck.

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