Com o tempo, Lurdes desenvolveu o hábito de engolir objetos, pela graça que via nisso. Sua primeira tentativa foi uma bala de revólver, encontrada por acaso. O projétil cruzou seu corpo e, com um estalido metálico, atingiu a porcelana cor-de-creme da toalete. Após inúmeras experiências de sucesso e um lampejo de ambição e engenho, Lurdes passou a amarrar um carretel de linha nos objetos que engolia.
Em seu momento de maior glória, Lurdes fez subir e descer repetidas vezes a chave do confessionário, puxando o carretel preso ao barbante que a percorria. Cada pessoa que testemunhou isso gargalhou até a exaustão. Lurdes também gargalhava, em parte por ser algo que sempre acontecia quando alguém ria primeiro, em parte pelas cócegas que o barbante fazia. Assim que arrombaram a porta e o padre se recompôs, Lurdes foi excomungada.
Quando Lurdes dizia que às vezes engolia um anel e saía uma colher de chá ou um chinelo de bebê, as pessoas, por desconhecerem seu verdadeiro caráter, achavam que era mentira . Mas, na ocasião em que entrou um parafuso de trator e saiu uma esquadrilha de libélulas, até o cego foi trazido para, com o tato, testemunhar. Com a mão nas carnes de Lurdes, sentindo a vibração dos insetos lutando contra o barbante, o cego abriu um sorriso, soltou alguns palavrões de descrença e, para a alegria de todos os que estavam reunidos na praça, pediu Lurdes em casamento.
Lurdes estava pelos cocos. Ela dançou feito uma pipa solta no vento depois de matar e comer a cabra que roubou do cego.
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Lurds é escrito por João Kowacs, com desenhos do Daniel Eizirik.
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