Alimente sua Mente ou Como Estamos Construindo a Internet e a Nós Mesmos com Cada Clique

Existe uma sensação que está cada vez mais presente na vida das pessoas que usam a internet diariamente, é uma ansiedade por não conseguir acompanhar tudo, o medo de perder o fio da meada, de deixar de ver alguma coisa incrível que acabou de ser compartilhada por um dos seus amigos. É uma necessidade de estar sempre presente on-line, de checar seu feed de notícias e seus e-mails centenas de vezes por dia.

Essa sensação é tão comum atualmente que já tem até nome: FoMO – fear of missing out, e vem sendo descrita como uma consequência do uso exagerado da internet, ou como um sintoma da “sobrecarga de informações” on-line, mas na verdade, FoMO está intimamente ligada ao uso das redes sociais, e não da web em si.

De acordo com um estudo de 2013, 56% dos usuários de redes sociais sentem FoMO. Não é difícil entender de onde vem essa ansiedade se pararmos para pensar que nas redes sociais criamos um “eu” digital que está sempre disponível, e não desaparece quando não estamos olhando para nossos celulares. Muito pelo contrário, ele não só está lá, como alguém pode estar interagindo com ele agora mesmo.

Em um artigo do site Aeon sobre FoMO, o autor, Jacob Burak aponta que “Estar conectado com todo mundo a toda hora é uma nova experiência humana, mas nós ainda não estamos equipados para lidar com ela.”

Não se pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. Não completamente. Então essa ideia de que estamos sempre presentes e disponíveis ironicamente acaba nos ausentando de qualquer outra atividade, tanto on-line quanto off-line:

Mas essa não é uma exigência da própria internet, e sim do feed, aquele fluxo incessante de novidades que foi popularizado pelo Facebook em 2009, mas que hoje é usado em diversos sites e em quase todas as redes sociais. Apesar de querer simular a sensação de um constante “presente” digital em que cada momento é rapidamente substituído pelo próximo, o feed acaba fazendo exatamente o contrário, e deixando seus usurários aflitos e ausentes.

Segundo o neurocientista Daniel Levitin, quando perturbamos um estado de concentração profunda, demoramos em média 23 minutos para atingir esse nível de novo. Checar o feed constantemente acaba impedindo um nível mais profundo de atenção e consequentemente de presença.

Atenção e presença são pré-requisitos para se fazer parte do feed, já que os feeds são plataformas de esquecimento, reinos onde o mais recente se torna automaticamente o mais relevante. E realizações potencialmente significativas se perdem no fluxo inconsequente do novo. Assim, quando não clicadas, publicações são deixados para trás e levadas pela correnteza.

E exatamente esse vislumbre de um mar de possibilidades em constante passagem, informações que vão se perder e que não poderão ser “buscáveis”, que serão esquecidas se não forem consumidas, é um grande motivo de ansiedade e vontade de eterna presença.

Um dos mapas da internet. Cada linha é um endereço de IP. O comprimento da linha depende do tempo de delay na comunicação entre os dois pontos. Retirado daqui.

Hossein Derakhshan passou seis anos preso por lutar contra a censura online no Irã. Ele foi um dos primeiros e mais influentes blogueiros iranianos, e hoje tenta alertar as pessoas para os problemas de se usar o feed como principal fonte de informações on-line:

“O feed agora domina o modo como as pessoas recebem informações na web. Cada vez menos usuários estão verificando sites específicos. Em vez disso estão sendo alimentados por um fluxo interminável de informações que são escolhidas para eles por algoritmos complexos e secretos.”

Comparar informação com alimentação é uma analogia bem precisa – assim como nosso corpo é formado pela comida que consumimos, nossa mente também é um mashup de tudo que deixamos entrar. Derakhshan não foi o primeiro a fazer essa conexão, Lewis Carroll já refletia sobre isso em 1909, com seu texto “Feeding the Mind” (“Alimentando a Mente”, em tradução livre):

“Levemos em consideração a quantidade de experiências dolorosas que muitos de nós tiveram enquanto alimentavam e dosavam o corpo, eu acredito que seria de grande valia traduzir algumas dessas regras em regras correspondentes para alimentar a mente.

Primeiro, devemos estabelecer que é preciso providenciar o tipo adequado de alimento. Muito cedo aprendemos o que vai e o que não vai de acordo com o corpo e encontramos pouca dificuldade em recusar uma fatia de torta que está associada, na nossa memória, a um terrível ataque de indigestão.

Mas precisamos de inúmeras lições para convencer-nos o quão indigestas algumas das nossas leituras favoritas podem ser, e de novo e de novo nós nos alimentamos de leituras prejudiciais, que certamente são seguidas de espírito cansado, falta de vontade de trabalhar, exaustão da existência – e de fato, de um pesadelo mental.”

Mas é difícil escapar desse pesadelo mental quando títulos dos textos estão cada vez mais sensacionalistas, buscando o clique como armadilhas disfarçadas de pequenas doses de dopamina.

Clay Johnson autor do livro “The Information Diet” também defende que precisamos tratar informação como tratamos comida, e que como sociedade, estamos nos tornando “obesos informacionais” – quer dizer, estamos consumindo muito fast food, informações descartáveis e irrelevantes, como se não tivéssemos realmente controle. Como se estivéssemos à deriva num fluxo constante de bobagens, e só nos restasse clicar.

Outra ideia defendida por Johnson é que as redes sociais são os lugares errados para se consumir informação porque o usuário típico está mais interessado em moldar sua própria imagem do que compartilhar links interessantes. Nas redes sociais preferimos “afirmação” à “informação”- procuramos e propagamos informações que confirmem em oposição às informações que desafiem nossas crenças. E por isso conteúdos postados e compartilhados fazem parte de uma “curadoria de si mesmo” e em geral servem para o propósito maior de lapidar um “eu digital”. Mas como os algorítmos são programados para mostrar mais conteúdo parecido àquele com o qual o usuário interagiu no passado, logo se cria um looping fechado de opiniões redundantes, que limitam a possibilidade de aprendizado ou de mudança.

Cada clique é uma escolha, não apenas doamos nosso tempo – e consequentemente nossa vida – para recebermos em troca determinada informação, como também endossamos o mercado ao avisarmos os algoritmos sobre que tipo de informação queremos receber, e portanto, que tipo de informação merece e precisa ser produzida. O que, por fim, singifica que moldamos a própria internet, com cada clique. Por isso clicar é um ato público e político.

Para a jornalista Sally Kohn somos todos construtores da web:

“Eu estou lendo meu twitter, e isso é um ato privado. Errado. Tudo o que postamos, tudo o que twitamos, tudo no que clicamos faz parte de ações públicas de criação de mídia. Nós somos os novos editores. Nós decidimos o que ganha atenção, baseado em para o que damos nossa atenção. Existem todos esses algoritmos escondidos que decidem o que você vê mais e o que todos nós vemos, baseados nos links nos quais clicamos, e isso molda nossa cultura inteira.”

Em 2013 Alixis Madrigal já fomentava essa discussão com seu icônico texto de apresentação do feed. “Quando a meia-vida de um post é 12 horas ou menos, quanto tempo os profissionais da mídia podem colocar na construção de um post? Quando o tempo que um leitor passa em um texto é de – no máximo – dois minutos, quanto tempo os profissionais da mídia deveriam investir na construção desse texto?”

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Um dos mapas da Internet, o tamanho das bolhas equivale a quantidade de fluxo que seus sites recebem. uma internet hierarquizada e desconectada. Retirado daqui.

Limitar a web a um fluxo de novidades é também se colocar como consumidor e disseminador passivo dessas novidades. Mas, na web, atenção é o seu recurso mais valioso. Ao decidir em quais links clicar você está decidindo com que tipo de comida quer alimentar a sua mente, e também, em última análise, que tipo de conteúdo pode continuar sendo produzido.

Maria Popova, do maravilhoso site Brain Pickings, defende que uma boa saída desse looping, é “manejar um relacionamento saudável com a informação, adotando hábitos inteligentes e nos tornando tão seletivos com a informação que consumimos quanto somos com a comida que comemos.”

A internet está na sua infância, e nós temos que tomar as rédeas para modela-la, porque evoluir a internet é evoluir a nos mesmos, evoluir a nossa própria espécie.

Tiffany Shlain, uma das pioneiras da web, vê a internet como algo muito mais importante do que um fluxo infinito: “é extremamente empoderador se pararmos para pensar que nós estamos nesse momento da evolução humana em que temos uma ferramenta que está criando um sistema nervoso para o mundo inteiro. E nós podemos dar forma a ele, nós podemos lapidá-lo.”

Então está na hora de pararmos de ver essa maravilha como uma linha do tempo, e começarmos a vê-la como um cérebro coletivo com suas infinitas conexões esperando para serem ativadas. E para ativá-las é preciso valorizar o link, e assim fortificar uma web descentralizada.

Na sua defesa da descentralização da informação, Hossein Derakhshan continua: “O feed, apps para celular e imagens em movimento: todos eles mostram uma migração da ‘internet-livro’ para a ‘internet-televisão’. Parece que migramos de um modo de comunicação não-linear – cruzamentos, redes, links – em direção à linearidade, com centralização de informação e hierarquias.”

Ao percebermos a web como uma extensão de nós mesmos, como uma estrutura que na sua própria essência conecta todos os seus usuários, porque é construída pelo conhecimento somado de todo o mundo, é possível visualizar uma internet que existe no espaço, e não no tempo e por isso não nos exige presença constante.

A época de sentarmos no sofá e recebermos informações passivamente já passou. Agora, quer queira, quer não, com cada post, cada link, e cada clique, estamos todos construindo esse imenso sistema nervoso coletivo que é a internet.

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A imagem de destaque do texto também é um mapa da internet, e foi retirada aqui.

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